O nome
dela é Júlia Augusta de Medeiros, uma pioneira no jornalismo, na educação e no feminismo do Rio
Grande do Norte. O último atributo é porque ela era uma mulher
de ideias avançadas para o seu tempo, e não bastasse isso ela também se
destacou na política do RN, tendo exercido dois mandatos como vereadora.
Com tanta
participação destaque na sociedade potiguar, rapidamente passou a frequentar as rodas de intelectuais da
elite, se tornando amiga de personalidades como o escritor e
folclorista Câmara Cascudo a e poetisa Palmira Wanderley.
À exceção entre as meninas de seu tempo, Júlia Medeiros teve a sorte de
pertencer a uma família rica e de visão pedagógica diferente da maioria das
famílias do início do século 20. Seu pai era Antônio Cesino Medeiros, um
proprietário de grandes terras em Caicó, sendo a maior e mais próspera delas a
fazenda Umari, onde Júlia nasceu no dia 28 de Agosto de 1896.
Lá ela rapidamente teve acesso à educação, aprendeu as primeiras palavras,
e depois, aos 13 anos, foi mandada para estudar em Natal, numa longa viagem de
oito dias no lombo de um burro. Vale lembrar aqui que isso já faz mais de 100
anos
Então, a futura feminista hospeda-se no bairro da Ribeira, começa a
estudar em bons colégios da capital e forma-se no ano de 1925. Um ano depois,
volta a morar em Caicó, passando a lecionar na mais conceituada instituição de
ensino do município. Nessa mesma época ela também já escrevia para um pequeno
jornal da cidade, quecolégios da capital e forma-se no ano de 1925. Um ano
depois, volta a morar em Caicó, passando a lecionar na mais conceituada
instituição de ensino do município. Nessa mesma época ela também já escrevia
para um pequeno jornal da cidade, que mais tarde se tornou um marco no jornalismo
feminino no Rio Grande do Norte.
Mas Júlia também já
participava ativamente da vida pública de Caicó, envolvida com a elite política
da cidade. Foi quando fez laços de amizade até com Juvenal Lamartine, senador e
governador do estado naquela década.
Considerada exímia
oradora, Júlia se notabiliza por questionar,
em seus discursos de improviso, a condição da mulher da década de 20 –
cuja vida resumia-se aos afazeres domésticos. Em suas falas em público, exigia,
principalmente, o direito à educação e à cidadania, e choca a sociedade
caicoense com todo esse comportamento avançado.
Sentindo-se à vontade mesmo assim, ela passa a usar roupas na cor
condenável pela sociedade a não ser em ocasião de luto: preta,vez por outra combinadas com calças
jeans. Ao comprar com o dinheiro do próprio emprego um carro Ford 29 (o
baratinha) e desfilar pelas ruas da pacata cidade, ela praticamente promove um
escândalo, e choca mais uma vez a sociedade ao recusar um pedido de casamento e
ir morar sozinha, na casa de número 157 da rua Seridó.
FOTOS DE JÚLIA MEDEIROS DO ACERVO DA FAMÍLIA
Ainda nos
anos 20, Júlia começou a apresentar lapsos de memória e a perder a sanidade mental. Seu
estado de saúde foi se agravando rapidamente, o que a fez perder pouco a pouco
tanto o controle de suas atividades intelectuais, como da financeira, e isso,
infelizmente, também significava se distanciar de muita gente.
A mulher
forte e “pra frentona” aos poucos se tornava frágil e simples:
“Júlia veio para Natal já doente, aposentada, deprimida.
Começou a perambular pelas ruas, levando sempre junto ao corpo um monte de
penduricalhos. A cada dia seu estado mental ia se agravando. Ela já não cuidava
da higiene, catava lixo e andava com roupas em trapos. Ninguém acreditava
quando dizia ter sido uma pessoa importante”, afirma Manoel Pereira da Rocha Neto,
jornalista natalense que conseguiu unir os dois capítulos extremos dessa
história e contá-la na íntegra pela primeira vez.
MAS AÍ ALGO GRAVE ACONTECEU NA VIDA DESSA DESTEMIDA MULHER
O jornalista conta ainda que certa vez ela ficou parada
observando por bastante tempo a vitrine de uma loja de roupas, e ao tentar
entrar foi confundida com uma ladra e quase foi presa. “Penso que ela estava recordando sua
época de moça. As moças da alta sociedade caicoense só vestiam as roupas feitas
por Maria do Vale Monteiro, costureira mais famosa da cidade. Mas antes Júlia
tinha que vestir e aprovar. Por causa do corpo bem feito, ela era uma espécie
de modelo no município”. Já com a doença avançada, Júlia
parcelou em 10x uma máquina de costura para fazer os próprios vestidos, como
forma de relembrar a época áurea
A
aposentada Lúcia Bruno Damasceno mora na rua da Misericórdia, onde
Rocas-Quintas viveu de 1960 até 1972, e confirma a informação do
jornalista: “Ela vivia
na rua catando coisas e entulhava tudo num porão em casa. Costumava dizer que
foi uma mulher de destaque em Caicó, mas ninguém acreditava”.
Na década
de 60 Júlia havia se tornado uma senhora suja e maltrapilha, e virou “figura
folclórica” em Natal por fazer todo santo-dia, a pé, o mesmo itinerário da
linha de ônibus Rocas-Quintas. Foi assim que ganhou o apelido “Rocas-Quintas” e
era provocada diariamente por garotos nas ruas que a chamavam em coro por este
nome. Ela, com o dedo em riste, revidava: “Me respeitem, que eu tive vida
importante”! retomando as passadas ligeiras com breves paradas para catar lixo
e restos de comida nas lixeiras.
A vida vai
seguindo assim, precária e triste. A importante mulher e pioneira em tantos
assuntos virou “a mendiga Rocas-Quintas”, louca, insultada, pobre, esquecida.
Na madrugada do dia 29 de agosto de 1972, 1 dia após seu aniversário, Júlia
morre aos 76 anos, sozinha e excluída da sociedade. O laudo da sua morte
no 4º Ofício de Notas deixa em dúvida se Júlia cometeu suicídio, apesar de
todos os indícios no local na época dizerem isso.
A casa em
que ela morou em Caicó foi demolida e no lugar foi construída uma boutique. A
casa em que ela viveu seus últimos dias em Natal, na rua da Misericórdia,
Cidade Alta, foi demolida para a construção de uma praça. Seu túmulo e seus
restos mortais, no Cemitério Parque, em Caicó, foram violados e extraviados.
FONTE – CURIOSSO.COM